Fábio de Castro, especial para a Agência
USP
Socióloga demonstra em estudo
sobre o comportamento no trânsito que ambiente coletivo é hostil devido
a fatores como a cidadania precária do brasileiro e a tendência mundial
de privatização do espaço público
Um estudo sobre o comportamento no trânsito da cidade de São Paulo
revelou, entre outras conclusões, que a atitude geral das pessoas,
baseada em noções privatizadoras do espaço público, é um fator que
contribui decisivamente para o caos urbano.
Para saber como as pessoas se portavam no trânsito, a socióloga Alessandra
Olivato realizou uma série de entrevistas com usuários do trânsito,
divididos em cinco categorias: pedestres, motoboys e motoristas de
carros, ônibus e táxis. A pesquisa foi a base de sua dissertação de
mestrado, defendida na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
(FFLCH) da USP.
"Eu pretendia estudar o espaço público e logo no início percebi que
um dos campos de pesquisa mais reveladores deste tema era o trânsito
nas metrópoles", explica. Durante três meses ela gravou entrevistas
qualitativas (com respostas não estimuladas) de cerca de quarenta
minutos em diversos pontos da cidade de São Paulo.
As perguntas básicas tratavam de como cada um via a si mesmo no trânsito,
enquanto motorista ou pedestre, como viam os outros, como percebiam
as leis e as autoridades, como concebiam o trânsito e como se sentiam
nele.
"Depois de transcritas e analisadas, as entrevistas levaram a três
conclusões principais: não existe uma noção clara de espaço público
no trânsito, com as pessoas tratando a coisa pública como privada;
expressa-se um individualismo provavelmente derivado de que a luta
individual pela sobrevivência, no mundo atual, contribui para dificultar
a compreensão do que é do outro; e, justificando a ausência de um
sentimento de responsabilidade pelo coletivo, não há uma idéia generalizada
da direção defensiva cuja premissa é prever o que acontecerá no trânsito",
diz Alessandra.
Segundo ela, a primeira conclusão corrobora teorias clássicas da sociologia
brasileira segundo as quais existe uma confusão entre o espaço público
e o privado no país. "Junta-se um fator histórico nacional com a tendência
mundial de privatização do espaço público. O resultado é que cada
um tem seu motivo pessoal para não respeitar as leis e a organização
coletiva. Considera-se injustas as leis, representadas pelos fiscais
do trânsito, que não entende o motivo particular de cada um para burlá-la",
resume.
Lugar do cidadão
A pesquisadora define "espaço público" como "o lugar do cidadão".
Mas as entrevistas revelam uma noção de cidadania precária. "Temos
um sentimento negativo com relação a ser cidadão. Quando estamos no
espaço público temos um atitude de confronto e competição."
Para Alessandra, a noção de que no trânsito todos são cidadãos e por
isso devem se respeitar e zelar pelo bem comum é dificultada pela
conjunção entre uma moral privada e o surgimento de "muros invisíveis"
entre as pessoas. Essa barreira é resultado de um novo individualismo,
caracterizado pela sensação generalizada de que cada um é o único
responsável por si.
A pesquisa levou também à conclusão de que não existe uma noção de
direção defensiva. Nessa lógica, cruzam-se os sinais vermelhos e causam-se
acidentes, dando-se depois a desculpa de que não foi possível prever
o que aconteceria. "A formação do motorista ainda é majoritariamente
técnica. Não se aprende noções de civilidade que englobe a percepção
do espaço público."
Alessandra destaca que na interpretação dos dados obtidos nota-se
que o pedestre, por exemplo, é visto como um obstáculo, já que o trânsito
é um local de passagem que é preciso transpor o mais rápido possível.
As leis são lembradas pela maioria apenas como fator coercitivo, quando
há a presença de autoridades, radares ou placas. "A percepção da maioria
é de que a lei é injusta. A lei não funciona como princípio máximo
e sempre há um motivo pessoal que justifique a inocência do infrator."
A pesquisa revelou ainda que poucos motoristas dizem fazer esforço
para "respeitar o próximo" e "não causar acidentes". "Os poucos que
disseram fazer tal esforço não o vêm como atitude de civilidade. Dizem
agir corretamente porque têm uma boa educação familiar ou por características
pessoais. O respeito é fruto de um extremo sacrifício pessoal e não
de atitude própria de convivência no espaço público."
Segundo a socióloga, especialistas garantem que o fator humano é responsável
por cerca de até 90% dos acidentes de trânsito. "A intenção do trabalho
foi discutir o trânsito por meio do fator humano. Estudar o problema
empírico, mas avaliando a contribuição do motorista para a situação
caótica, além de avaliar a percepção do espaço público e civilidade".
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