sexta-feira, 29 de abril de 2011

Lições de História


Fonte: Café Historia


Livro reúne textos inéditos de historiadores do século XIX e traz contribuição significativa para o campo da teoria da história

Do alvoroço desencadeado pelo atrevimento de Napoleão até a invenção do telégrafo sem fio, o século XIX foi marcado, por assim dizer, por um turbilhão de acontecimentos marcantes que mexeram não apenas com a vida do cidadão comum, que de uma hora para a outra se viu perdido nas malhas impositivas do tempo histórico, mas também com a rotina, com os hábitos, com o poder e com a estabilidade dos governantes do mundo, que foram obrigados a reagir, não raro com violento rigor, contra o empoderamento do indivíduo médio e das novas forças sociais coletivas. Nada mais lógico, portanto, que a história tenha esperado por este século (o seu século, como se diz) para se constituir como uma especialidade disciplinar. Foram esses acontecimentos impactes que convocaram nomes como Jules Michelet ou de Leopold von Ranke para dotar o tempo de um sentido lógico, de organizar as experiências limítrofes da realidade dentro de um quadro lúcido e recheado de razão. Hoje, mais de duzentos anos após o início daquele longo século, podemos desfrutar pela primeira vez das impressões de muitos dos intérpretes daquele tempo, dos pais fundadores da nossa história, da história moderna. E o principal “culpado” por esta tarefa hercúlea é o historiador e professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Jurandir Malerba, que acaba de lançar o livro “Lições de História: O Caminho da Ciência no Longo Século XIX.”

O livro, publicado pela Editora FGV e pela EdiPUCRS, reúne textos inéditos em língua portuguesa de grande historiadores do século XIX, acompanhados de introduções elaboradas por historiadores brasileiros. Ao lado de Malerba nessa verdadeira obra coletiva, estão nomes como François Dosse (o único estrangeiro no grupo), Lilia Moritz Schwarcz, Leandro Konder, José Carlos Reis, Julio Bentivoglio e muitos outros importantes pensadores que enriquecem ainda mais o olhar do leitor para obras já tão preciosas e que falam por si mesmas. Foram traduzidos textos de Jules Michelet, Karl Marx, Ernest Lavisse, Louis Bourdeau, dentre outros. São textos deliciosos, inspiradores para historiadores já calejados ou para os calouros na matéria.

Em uma conversa com o Café História, Jurandir Malerba, que é membro de nossa rede, explicou quando perguntado se o trabalho era fruto de um esforço coletivo:

- Sim, é fruto de um trabalho coletivo, mas surgiu da minha percepção, originada em mais de 15 anos de prática docente na área de teoria, da praticamente ausência de traduções desses clássicos em língua portuguesa. Há cerca de dez anos eu vinha desenhando esse projeto, selecionando material. Quando este primeiro volume estava desenhado, em 2006, fiz um "boneco" de como eu idealizava cada capítulo com o Carlyle. Fiz a tradução comentada e o texto introdutório dele e fui enviando a alguns colegas, convidando-os a participar do projeto. O texto, com exceção do capítulo de Dosse, completo estava pronto no final de 2008.

Dentre as preciosidades de “Lições de História”, destaca-se textos como o de Pierre Daunou, que faz uma irretocável abertura do curso de história do Collège de France em 13 de abril de 1819. Neste discurso, Daunou explicita os meandros da ciência histórica. Revela sem dó nem piedade as fragilidades deste conhecimento, porém, um conhecimento extremamente perspicaz e que justamente por ter uma morfologia problemática e desafiadora conseguiu aos poucos competir com o status até então inigualável das ciências físicas e naturais. Impossível seria não se entregar ao estudo apaixonado da história após uma aula inaugural dessas. Encanto igual são os textos de nomes como Michelet ou Chateaubriand, apenas para citar alguns. É preciso ler para crer.

Mas porque textos de tamanha importância para o estudo historiográfico não contavam ainda com uma tradução para a língua portuguesa? O Café História perguntou a Malerba. O historiador da PUCRS respondeu:

- Tirando o texto de Michelet, que havia sido publicado em português pela Companhia das Letras em 1989 (bicentenário de Revolução Francesa) e há muito esgotado, todos os outros são inéditos - e te diria que todos eles importantíssimos. A explicação de faltarem em português talvez resida na desimportância que a área de teoria teve para os historiadores ao longo das décadas. Temos alguns importantes manuais de metodologia, mas pouco interessou aos nossos historiadores a reflexão teórica forte - quadro que começa a mudar nos últimos anos. Nossos estudantes vinham se formando ouvindo falar de Ranke, Gervinus, Acton, Macaulay, Fustel, Langlois, Seignobos a partir de manuais, leitura de segunda mão, sem ler os originais. Isso é fundamental. Nesse sentido, acabamos de criar uma coleção na EdiPUCRS, a Monumenta, no mesmo espírito do Lições de História (traduções comentadas e introduzidas por grandes especialistas brasileiros) onde publicaremos grandes obras da historiografia moderna. A Monumenta abre com as Considerações sobre as causas das grandezas dos romanos e sua decadência, de Montesquieu (edição crítica de Renato Moscateli), lançado agora na Feira do Livro de Porto Alegre. Já em preparação o Ensaio sobre os costumes, de Voltaire, e a História das mulheres na revolução, de Michelet.

“Lições de História” já pode ser encontrado nas livrarias e ele é de fácil identificação. Pois o livro é uma edição impecável não só no conteúdo como também parte gráfica. São 489 páginas encadernadas em capa dura, simulando um antigo livro, clássico, inconfundível em qualquer prateleira. Prepare o café e folheie estas páginas não mais esquecidas do século XIX. A viagem vale a pena.

Por Bruno Leal

Informações técnicas

Lançado em outubro de 2010 | 489 páginas | Editora FGV e EdiPUCRS

Outros lançamentos que também indicamos

Descobrimentos de Capistrano: A História do Brasil “a grandes traços e largas malhas”, de Daniel Mesquita.

O livro, publicado pela editora Apicuri e pela Editora PUC-RJ, traz uma análise detalhada da produção historiográfica do consagrado historiador cearense João Capistrano de Abreu (1853-1927). Um livro que pode ser visto como uma referência tanto para a descoberta de textos de Capistrano como também para o historiador que está em busca da compreensão do próprio ofício de historiador.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Bullying não pode ser julgado com exagero


Problema parece estar na moda porque hoje é mais debatido. Mas não há motivo para torná-lo a causa de todos os males

Renata Losso, especial para o iG São Paulo | 19/04/2011 15:02


Embora o bullying escolar exista há tanto tempo quanto as instituições de ensino, o assunto só ganhou manchetes e “virou moda” há pouco tempo. A disseminação mais ampla das informações deveria colaborar para melhorar a identificação e o combate ao problema, mas também pode tomar outro rumo. Para Maria Irene Maluf, especialista em psicopedagogia e em educação especial, hoje corre-se o risco do bullying ser entendido de forma generalizada. Como consequência, pode surgir uma insensibilidade ao que ele realmente é. 

Em vídeo, Wellington justificou os assassinatos na escola de Realengo com o bullying sofrido na escola
Mas o que é o bullying, afinal? Segundo o psiquiatra Gustavo Teixeira, autor do “Manual Antibullying” (Editora BestSeller), o bullying é definido por atos de agressão física, verbal ou moral que ocorrem de maneira repetitiva dentro de uma relação desigual de poder, física ou emocional. Ou seja: o grandalhão da escola que procura encrenca com o menorzinho diariamente por ele usar óculos, por exemplo. Mas mesmo a definição teórica não esclarece a linha tênue que separa a violência gratuita da brincadeira inocente, quando colegas lidam com suas diferenças observando-as com humor, sem agressividade. Esta linha é determinada pela existência do sofrimento.

Para o psiquiatra e psicoterapeuta Içami Tiba, autor de “Adolescentes: Quem Ama Educa” (Integrare Editora), se não existe sofrimento, não é bullying. O especialista concorda que o problema tomou proporções exageradas: “Antigamente não era bullying colocar um apelido numa pessoa por causa de uma característica física”. Embora Tiba afirme que o problema atingiu uma intensidade maior, o exagero do diagnóstico costuma ocorrer por constatação dos pais. “Mas é preciso delimitar o bullying muito claramente, para não perdermos a cabeça”, diz.

O estopim da informação


Foto: Reprodução
Casey é agredido e reage: vídeo transformou o garoto australiano em herói da web
Na opinião de Maria Irene, o problema do bullying se agravou de forma gritante com a chegada da internet e dos celulares. As possibilidades abertas por estes meios criaram o cyberbullying, com novas formas de agressão mais difíceis de serem constatadas e controladas pela escola ou pelos pais. Por outro lado, hoje em dia é possível se falar mais abertamente sobre o problema. “As crianças ficaram mais seguras para reclamar, e as questões que envolvem o bullying acabam ultrapassando o muro da escola”. As plataformas digitais também aumentaram a visibilidade dos problemas: o caso do menino australiano Casey Heynes, por exemplo, foi parar no Youtube e se tornou discussão no mundo inteiro. Tornou-se mais fácil, portanto, a criança mostrar o que sente e o que acontece aos pais ou à escola.

Assim como ficou mais fácil, também, usar o bullying como justificativa. É o caso da tragédia em Realengo. O atirador Wellington Menezes de Oliveira afirmou, em vídeos divulgados pela polícia, que planejava se vingar das pessoas que o desrespeitavam, referindo-se às escolas como o principal local deste tipo de acontecimento. “Sofrer bullying foi um fator de estresse importante neste caso”, observa Gustavo Teixeira. “Mas não justifica a atrocidade”.

Frequência, intensidade e sofrimento

De acordo com o terapeuta e psicólogo familiar João David Cavallazzi Mendonça, a intensidade da violência é o fator mais importante a ser levado em conta para diagnosticar o bullying. “Não existe uma regra: uma criança pode se incomodar muito por ser chamada de ‘quatro olhos’, enquanto outra pode nem ligar”, diz. Mas subestimar o problema e dizer ao filho para não dar importância àquilo não é a melhor saída: algumas crianças podem fingir que não se incomodam, mas guardam o problema e desenvolvem traumas sérios.

E como diferenciar o bullying de uma brincadeira natural? Uma gozação entre iguais, em que um zomba do outro, é bem diferente de uma ofensa. Para Maria Irene, o bullying ultrapassa esse estágio e leva ao ponto em que as crianças não são mais amigas. “A vítima não se sente em condições de revidar”, diz. Mudanças de comportamento ou alteração no rendimento escolar são pistas comuns de que algo mais grave pode estar acontecendo.

As habilidades sociais da criança e sua capacidade de se cuidar sozinha também contam muito. “Hoje existe uma superproteção sem limites por parte dos pais, e as crianças ficam sempre precisando de alguém que tome conta delas”, completa a psicopedagoga.

Os pais devem oferecer suporte e oportunidades para os filhos se desenvolverem, tornando-se cada vez mais independentes. Mas precisam estar atentos para sair em defesa da criança caso ela esteja passando por algum tipo de sofrimento capaz de afetar sua dignidade e integridade.

Simplificação e exagero

Os pais devem ter um olhar mais cuidadoso sobre seus filhos e, principalmente, contínuo. “Senão, qualquer pisada que a criança leva no pé sem querer vira bullying. É preciso colocar as coisas nas devidas proporções”, diz Maria Irene. Para Gustavo, o que define o bullying é a ocorrência sistemática de violência, não acidentes ou inocentes manifestações de identificação das diferenças entre as crianças.

A popularização e o debate sobre o bullying, ainda que compreendido de forma simplificada, podem levar a um melhor entendimento do problema: “O fato de estar ‘na moda’ contribui para crianças, adolescentes, pais e educadores passarem a estranhar esse tipo de atitude, e não naturalizá-la”, acredita João David. Por outro lado, tomar atitudes a respeito sem a reflexão necessária pode levar a um desgaste do conceito. “Se exagerarem muito por muito tempo, vai acabar virando um 'feijão com arroz'”, diz Maria Irene. E virar a página do problema achando que é só uma bobagem é, de longe, a pior solução.

domingo, 17 de abril de 2011

Governo brasileiro identificou as ossadas de três homens que atuaram na Inconfidência

Após enforcamento de Tiradentes, eles foram exilados na África. Haverá cerimônia de sepultamento em 21 de abril, em Ouro Preto (MG)

O governo brasileiro identificou as ossadas de três homens que atuaram na Inconfidência Mineira ao lado de Tiradentes, mais de 200 anos depois de suas mortes. A identificação foi anunciada nesta sexta-feira (15) pelo Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), vinculado ao Ministério da Cultura.

Os três serão sepultados em 21 de abril, Dia de Tiradentes, no Museu da Inconfidência, na cidade mineira de Ouro Preto, em cerimônia que contará com a presença da presidente Dilma Rousseff.

De acordo com Rui Mourão, diretor do Museu da Inconfidência, os três homens identificados são Domingos Vidal Barbosa (1761-1793), João Dias da Mota (1744-1793) e José de Resende Costa (1728-1798), sendo que este último foi pai de outro inconfidente com o mesmo nome.

"José de Resende Costa foi um homem de grande importância na época, um fazendeiro que tinha influência na sociedade. Domingos Barbosa estudou na França e foi ele quem trouxe promessa de ajuda de Thomas Jefferson (ex-presidente dos Estados Unidos) ao movimento. E João Dias Mota foi amigo de Tiradentes, que chegou a ficar hospedado na casa de Mota.

Ele ajudou Tiradentes a chegar ao Rio de Janeiro", contou Mourão, ao afirmar que todos tiveram participação importante para o movimento.

Já estão sepultados no Panteão do Museu da Inconfidência em Ouro Preto 13 homens, de acordo com o Ministério da Cultura. Esses três últimos serão sepultados em um túmulo que ficou vazio justamente em homenagem àqueles que não foram localizados.

A Inconfidência Mineira foi um movimento contra o domínio da Coroa portuguesa. Várias pessoas foram presas e Tiradentes foi condenado ao enforcamento em 21 de abril de 1792. É considerado um dos principais mártires da independência do Brasil.

De acordo com Rui Mourão, os três identificados foram exilados para Portugal após a execução de Tiradentes. De lá, foram enviados à África. José de Resende Costa e Domingos Vidal foram para Cabo Verde e João Dias Mota para Guiné Portuguesa.

Domingos Vidal e João Dias teriam morrido em 1793, conforme documentos históricos. Resende Costa teria falecido em 1798. Os três foram enterrados, segundo esses documentos, perto de uma igreja na Vila de Cacheu, na Guiné Portuguesa.

Os restos mortais foram exumados em 1932, após uma determinação do presidente Getúlio Vargas para identificação dos inconfidentes. Em 1992, chegaram ao museu de Ouro Preto. O trabalho de identificação dos corpos começou um ano depois e durou mais de 10 anos.

O professor da Unicamp Eduardo Darude, doutor em Odontologia, foi quem comandou o trabalho de identificação. Ele afirmou que houve tentativa de identificação por meio do DNA, o que acabou não dando certo. Os três foram identificados pela desintometria óssea, exame que mede a densidade dos ossos. Como havia diferença de idade entre os três, as ossadas eram diferentes, de acordo com Darude.

"O primeiro passo foi tentar extrair o DNA. O DNA está contido na parte orgânica do osso. Mas esses ossos ficaram em contato com a terra e isso degradou completamente a matéria orgânica", disse o professor.

Um trineto de Resende Costa foi localizado e chegou a enviar amostras de sangue, que acabaram não sendo utilizadas.
Darude disse que foram realizados muitos exames de tomografia para que se chegasse à identificação, mas que ele não recebeu auxílio do governo para a pesquisa. "Além de não receber colaboração, até gastei dinheiro do bolso. Para os exames, os deslocamentos. O trabalho não foi fácil, mas contei com auxílio de pesquisadores da Unicamp."

Fonte: Gazeta do Povo/G1

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Justiça chilena ordena a exumação do corpo de Salvador Allende

FONTE: TERRA

15 de abril de 2011 13h22 atualizado às 13h35

O juiz Mario Carroza ordenou nesta sexta-feira a exumação dos restos do ex-presidente presidente socialista chileno Salvador Allende para esclarecer se ele foi assassinado no golpe de Estado de Augusto Pinochet em 1973 ou se suicidou, como afirma a versão histórica.
 
O juiz ordenou a diligência depois de aceitar um pedido da família do ex-presidente e a exumação deve ser realizada durante a segunda quinzena de maio, segundo confirmou um porta-voz do Poder Judiciário.
 
Depois da exumação, o corpo será submetido a perícias por parte do Serviço Médico Legal, destinadas a esclarecer as causas de sua morte.
 
"Isso vai permitir esclarecer definitivamente um aspecto que no curso da história não foi pacífico", afirmou a advogada da família Allende, Pamela Pereira, à AFP.
 
Allende foi submetido a uma necropsia no hospital Militar de Santiago depois de sua morte em meio ao bombardeio aéreo e terrestre ao palácio presidencial de La Moneda, em 11 de setembro de 1973.
 
As autoridades da época, com base principalmente no testemunho de um médico que viu o cadáver, afirmaram que Allende se suicidou, apesar de sua morte nunca ter sido alvo de uma investigação judicial.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Quando nosso mundo se tornou cristão

Resenha de VEYNE, Paul. Quando nosso mundo se tornou cristão [312-394]. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.

Gledson Ribeiro de Oliveira- Doutorando em Sociologia (UFC), Mestre em História do Brasil (UFPE). Pesquisador do Núcleo de Estudos de Religião, Cultura e Política (NERPO). Bolsista da CAPES. Membro do Instituto Praeservare – preservação do patrimônio cultural. Contato: gled.yeshua@gmail.com

Recém traduzida para o leitor brasileiro, a obra do historiador e arqueólogo francês Paul Veyne é menos um estudo sobre o cristianismo do século IV que uma reflexão sobre as razões do imperador Constantino em firmar e legitimar uma religião de salvação que tinha como profissão de fé adorar um deus-camponês encarnado de nome Jesus, que depois de morto nos anos 30 desta era, ressurgiu entre os seus seguidores e ascendeu ao „reino dos céus. Em seus onze capítulos, Constantino é a figura chave do triunfo do cristianismo e sua conversão “um dos acontecimentos decisivos da história ocidental.” (p. 79.) A importância reservada pelo autor ao imperador pode ser mensurada na provocativa epígrafe do primeiro capítulo O salvador da humanidade: Constantino. Resumindo em uma pequena frase o objetivo geral do livro poder-se-ia dizer que Paul Veyne busca compreender como Constantino ajudou a fabricar o cristianismo enquanto o cristianismo o fabricava.

Para isso o ponto de partida do autor é a conversão do imperador após um sonho no qual o deus cristão revelou-lhe o crisma [letras X e P superpostas e cruzadas]; símbolo da vitória do Cristo na batalha da Ponte Mílvio (2). Um ato aparentemente particular, realizado “por sua própria cabeça” como diz Paul Veyne (p. 131), mas com repercussões profundas na história. Buscando entender a motivação dessa conversão, Paul Veyne faz em dois capítulos um percurso sobre o que chamou de duas obras-primas que influenciaram a decisão de Constantino: a ”natureza do cristianismo e a Igreja. Considerou que o cristianismo possuía uma “superioridade relativa” se comparado ao que chamou de paganismo por ser um discurso religioso original para a época (p. 69). A nova religião inventou um deus de amor, datado e exclusivista, cuja história fora oralmente transmitida, selecionada e registrada em verso e prosa em um “best seller” – a Bíblia – em que se narrou a criação, redenção e a paixão mútua entre o Cristo e a humanidade (p. 40). Já a segunda obra-prima, a Igreja, uma assembléia de crentes divididos hierarquicamente entre um corpo de mistagogos e leigos e estruturada por um sistema de ritos e crenças, inovou por exigir que cada um de seus membros seguisse uma profissão de fé, que fossem militantes pelo Cristo.

(2)  Na  batalha contra Maxêncio no ano de 312, às margens do rio Tibre na Itália, os soldados usaram a crisma nos escudos. Constantino marcou-o em seu elmo.

Destarte, para Veyne, é exatamente a afinidade eletiva - para lembrar uma expressão de Max Weber - entre a personalidade de Constantino e o profundo “sentido de poder e de organização [do cristianismo] muito próximo do seu”, que o arrebatara, levando-o a adotar “uma religião rejeitada por nove décimos de seus súditos” (p. 109). Se um grande imperador precisava de um grande deus, a sedutora mitologia cristã com seu convite a participar de um projeto sobrenatural para “salvar a humanidade” era um discurso bem ao gosto do Imperador; principalmente porque ele poderia liderá-lo na terra como seu chefe espiritual.

Constantino cria que havia sido escolhido pelo deus cristão para desempenhar o papel mais importante desde Adão e Eva (p. 90). Para cumprir esse „verdadeiro chamado, e ao contrário de uma leitura bastante difundida, Paul Veyne lembra que ele assumiu a posição de “protetor e propagandista” (p. 138) concedendo benefícios – templos, por exemplo – e privilégios – fiscal e arbitral – que as religiões ditas pagãs já gozavam; ou seja, Constantino teria de alguma forma apenas colocado o então perseguido e mal-quisto cristianismo em equidade com o paganismo. Convertido, porém habilidoso, Constantino pendulou entre o cristianismo e as demais religiões. Manteve a fachada pagã do Império para acalmar a aristocracia e fez do cristianismo sua religião privada, não buscando converter seus súditos.

O Império continuou com seus cultos públicos a outros deuses e a Europa assim permaneceu até o século VI em vários territórios.

A valorização das representações que Constantino fazia de si mesmo e do cristianismo é uma opção metodológica que faz Veyne ser um crítico dos autores que entendem o imperador como um calculista político em busca de “alicerces metafísicos da unidade e da estabilidade interior do Império” (p. 79). Sua crítica tem endereço certo: a historiografia dita por ele “marxistizante” ao estilo do historiador Yvon Thébert “e de muitos outros”. No dizer do historiador foi Constantino que pôs o trono a serviço do “altar e não o contrário, pois ele de fato queria que as pessoas se salvassem (p. 87). Conseqüência maior dessa experiência foi à definitiva entrada da religião na política e no poder com o estabelecimento da futura e tradicional prática monárquica da religião do trono. Com ironia, pergunta-se no capítulo dez se as razões de Constantino não seriam mais profundas, ideológicas. Para ele, não! A obediência a Constantino e a manutenção da ordem imperial não precisou ser imposta aos súditos por uma mensagem ideológica cristã. Constantino foi respeitado e obedecido “por lealdade” e pela posição social que ocupava em relação aos seus súditos que lhe conferia eficácia simbólica a suas palavras e ações.

É notório que sua ironia elegante e os não raros trocadilhos “igreja” e “partido único”, “Lênin-Trotsky” e “profetas iniciais” etc., aparecem como resíduos de sua frustrante experiência como membro do Partido Comunista Francês nos anos 1950 - Retorno do recalcado! – tendo como secretário de célula ninguém menos que Emmanuel Le Roy Ladurie (3).

(3) Nota 32, página 57.

Veyne retoma também outros temas clássicos das Ciências Sociais como a irredutibilidade da religiosidade e o laicismo. Como Georg Simmel o autor também vê na religiosidade (4) uma “disposição irredutível e fundamental da alma que não se explica por causas psicológicas – cita Piaget – e não deriva ou está vinculado a formas culturais e institucionais pelas quais se travesti no processo histórico. Neste caso, a vitória do cristianismo não se deu pelo medo da finitude, insegurança infantil ou “necessidade de consolação e ópio”. É na originalidade do projeto de um “deus de amor” que reside sua força. Resta saber, como sugere a sociologia de Simmel, se Veyne também vê na religiosidade um dado permanente da condição humana.

(4) No subtítulo A religião é uma qualidade irredutível, capítulo 2, Paul Veyne escreve “religião e não “religiosidade. Contudo em Simmel é a religiosidade que é uma “disposição irredutível e fundamental da alma pois nem toda religiosidade desemboca em uma religião. Trata-se uma leitura própria de Paul Veyne ou de uma questão de tradução?

Já a celebrada idéia de separação entre Igreja e Estado não é para Veyne um mérito do cristianismo, mas dos próprios césares. O clássico “Dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” já era modus operandi no Império. Os pagãos não precisaram do Cristo para saber “que Deus e César eram dois” pelo simples fato de que eles não se confundiam na sociedade romana (p. 218). Vai além. No ano da publicação do livro na França estava em debate a referência ou não ao nome de Deus na Constituição Européia (5). Como bom francês, e tomando como exemplo os que defenderam as “raízes cristãs da Europa”, Veyne repercutiu o tradicional laicismo de seu país com uma afirmação categórica: não é o cristianismo que está na Europa e sim a Europa que está no cristianismo. A Europa fora sincrética em seu começo e o cristianismo há muito deixara de ser o princípio-eixo da moral e da cultura. Tudo que se defende hoje na Europa é diametralmente oposto ao que o catolicismo defendeu e defende – “O caso mais complexo do protestantismo permanece totalmente à parte”, ressalvou (p. 232).

(5)  Assinada em 29 de outubro de 2004, na cidade de Roma.

Ademais, o livro remete a uma questão contemporânea importante: o cristianismo ainda tem uma gramática própria a oferecer? A “pauta positiva do cristianismo – questão social, preconceito racial, discurso ambiental, liberdade, democracia etc. - é uma gramática de conceitos e práticas muitas vezes apropriadas do mundo secular. O cristianismo como uma “casa velha” na qual se habita sem a convicção dos velhos moradores é uma boa metáfora de Veyne para explicar o estado atual da religião na Europa. O rearranjo do campo religioso com o surgimento de crenças e religiões desinstitucionalizadas é um dos efeitos dos sérios problemas de transmissão da linhagem religiosa do catolicismo europeu. Nesses termos, há de se concordar com ele que ser “cristão pode ter se tornado, de fato, um mero “parônimo hereditário” não só na Europa, mas também na América Latina (p. 235).

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Cientistas encontram esqueleto de homem pré-histórico homossexual

Pesquisadores observaram que indivíduo, que morreu há 5 mil anos, foi enterrado segundo ritos normalmente destinados às mulheres

 

BBC Brasil | 07/04/2011 10:12



Cientistas tchecos escavaram o que acreditam ser o esqueleto de um homem pré-histórico homossexual ou transexual que viveu entre 4.500 e 5.000 anos atrás.

A equipe de pesquisadores da Sociedade Arqueológica Tcheca constatou que os restos - retirados de um sítio arqueológico neolítico em Praga - indicam que o indivíduo, de sexo masculino, foi enterrado segundo ritos normalmente destinados às mulheres.

A arqueóloga Katerina Semradova disse à BBC Brasil que o enterro “atípico” indica que o indivíduo encontrado fazia parte do “terceiro sexo”, provavelmente homossexual ou transexual.

"Trabalhamos com duas hipóteses: a de que o indivíduo poderia ter sido um xamã ou alguém do terceiro "terceiro sexo'. Como o conjunto de objetos encontrados enterrados ao redor do esqueleto não corroboravam a hipótese de que fosse um xamã, é mais provável que a segunda explicação seja a correta", disse Semradova.


Foto: Sociedade Arqueológica Tcheca 
 
Objetos encontrados na tumba não eram comuns em enterros masculinos daquele período

As escavações foram abertas ao público nesta quinta-feira e a visitação tem sido intensa.
Os restos são de um membro da cultura da cerâmica cordada, que viveu no norte da Europa na Idade da Pedra, entre 2.500 AC e 2.900 AC.

Neste tipo de cultura, os homens normalmente são enterrados sobre o seu lado direito, com a cabeça virada para o oeste, juntamente com ferramentas, armas, comida e bebidas.
As mulheres, normalmente sobre o seu lado esquerdo, viradas para o leste e rodeada de jóias e objetos de uso doméstico.

O esqueleto foi enterrado sobre o seu lado esquerdo, com a cabeça apontando para o oeste e cercado de objetos de uso doméstico, como vasos.

"A partir de conhecimentos históricos e etnológicos, sabemos que os povos neste período levavam muito a sério os rituais funerários, portanto é improvável que esta posição fosse um erro", disse a coordenadora da pesquisa, Kamila Remisova Vesinova.

"É mais provável que ele tenha tido uma orientação sexual diferente, provavelmente homossexual ou transexual."

terça-feira, 5 de abril de 2011

Livros didáticos de filosofia voltam à rede pública em 2012

Depois de 47 anos fora dos currículos das escolas de educação básica no País, a filosofia vai voltar, na prática, para a grade horária dos alunos de ensino médio. No ano que vem, as escolas da rede pública receberão pela primeira vez, desde a ditadura, livros didáticos da disciplina para orientar o trabalho dos professores. A disciplina foi banida das escolas na época da ditadura militar.
 
Em 2008, uma lei trouxe de volta a filosofia e a sociologia como disciplinas obrigatórias para os estudantes do ensino médio. A professora Maria Lúcia Arruda Aranha ensinava filosofia em 1971 quando a matéria foi extinta pelo governo militar. Hoje, é uma das autoras dos livros que foram selecionados para serem distribuídos aos alunos da rede pública pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD).
 
"A filosofia nas escolas desapareceu na década de 70 e reapareceu como disciplina optativa em 1982. Mas, nesse meio tempo, eu continuava dando aula em escola particular. A gente ensinava, só que o nome da matéria não podia constar como filosofia", lembra.
 
Ela avalia que o País demorou demais para incluir as duas disciplinas novamente entre as obrigatórias e ainda falta "muito chão" para que elas sejam ministradas da forma adequada. Ainda faltam professores formados na área já que, por muito tempo, não havia mercado de trabalho para os licenciados e a procura pelo curso era baixa. Em 2009, 8.264 universitários estavam matriculados em cursos superiores de filosofia - 78 vezes menos do que o total de alunos de direito.
 
Muitas vezes são profissionais formados em outras graduações como história ou geografia que assumem a tarefa. Os livros didáticos devem ajudar a orientar os docentes no ensino da filosofia. "O livro é muito importante porque dá uma ordenação do conteúdo e propõe como o professor pode trabalhar os principais conceitos, como o que é filosofia e a história da filosofia", diz Maria Lúcia. "Mesmo o aluno formado na área, às vezes, não está acostumado a dar aula para o ensino médio, não tem dimensão de como chegar ao aluno que nunca viu filosofia na vida", explica.
 
A história da filosofia, as ideias dos principais pensadores como Platão, Kant e Descartes, servem de base para ensinar aos jovens conceitos básicos como ética, lógica e política. Mas Maria Lúcia ressalta que é muito importante conectar o conteúdo com a realidade do aluno para que ele "aprenda a filosofar".

"O professor deve apresentar o texto dos filósofos fazendo conexões com a realidade daquele tempo em que o autor vive, mas também estimular o que se pensa sobre aquele assunto hoje. Isso desenvolve a capacidade de conceituação e a competência de argumentar de maneira crítica. Ele aprende a debater, mas também a ouvir", compara.

Fonte: Terra

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Arqueólogos encontram esculturas do período asteca no México





Arqueólogos do Instituto Nacional de Antropologia e História do México localizaram cinco esculturas, datadas do período asteca de 1325 a 1521 d.C. As esculturas eram utilizadas como decoração nas fachadas do Templo Mayor - o principal santuário da antiga Tenochtitlán, a capital do império asteca. O estado geral das esculturas em pedra varia de peças inteiras a apenas fragmentos. Os pesquisadores encontraram as obras durante escavações no centro histórico da Cidade do México. O crânio identificado pelos arqueólogos é o maior já encontrado nas imediações do período pré-hispânico. Na área de descoberta, de um lado da catedral metropolitana, em uma das escavações - de 7,70 metros de largura por 12,20 metros de profundidade - estavam enterradas as peças, incluindo os restos de esculturas.