sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Oráculo de Delfos: o umbigo do mundo



Na representação, um pai e seus dois filhos consultam o oráculo por volta de 600 a.C.
Foto: Getty Images

Voltaire Schilling
Fonte: Terra
Durante mais de 15 séculos, do nascimento ao fim da cultura grega antiga, o Oráculo de Delfos, ou templo de Apolo, serviu como local em que peregrinos vindos das mais diversas latitudes do mundo helênico consultavam as pitonisas, as sacerdotisas oraculares, para saber qual seu destino, da sua família ou da sua pátria. Delfos tornou-se um dos lugares sagrados mais venerados pelos gregos, sendo que suas previsões e predições tiveram enorme repercussão nos destinos de reis, de tiranos e de muita outra gente famosa daqueles tempos.

A lenda do Oráculo de Delfos
 
Querendo medir com exatidão o centro do mundo, Zeus fez com que duas águias fossem soltas de lugares opostos da Terra. Quando o voo das duas se cruzou, ali, bem embaixo, o todo-poderoso determinou ser o local do onfalos, o umbigo do mundo - uma pedra situada nas cercanias do monte Parnaso. Anunciou a todos, então, que dali ele entraria em contato com quem desejasse fazer-lhe consultas ou pedir-lhe orientações.

Porém, a região era dominada pela monstruosa Píton, uma cobra gigantesca que espantava qualquer possibilidade de aproximação. Coube a Apolo oferecer-se para enfrentar a serpente, representante das forças primitivas e irracionais, derrotando-a num formidável combate. O deus vitorioso sepultou os restos do ofídio monstruoso exatamente embaixo do solo em que se ergueu o templo de Delfos, no golfo de Corinto, local em que as mensagens de Zeus, por intermédio de Apolo, chegariam aos interessados.

O templo das previsões
 
Os peregrinos podiam desembarcar no pequeno porto de Kirrha, ou ainda chegar por terra, seguindo uma via sacra que os conduzia para o alto, até as portas do templo de Apolo. No caminho, eles deviam fazer suas libações na fonte sagrada de Castalla, cujas águas serviam para purificá-los antes que a entrevista fosse realizada. Encravada na rocha havia a seguinte frase: "Ao bom peregrino basta-lhe uma gota, ao mau, nem um oceano poderia lavar a sua mancha".

Era preciso também realizar sacrifícios aos deuses, imolando um cordeiro ou esganando uma ave antes de lançá-los às brasas. Como a procura pelas previsões era muita, marcar uma audiência demorava um bom tempo, obrigando que, com o passar dos anos, outras instalações fossem construídas para abrigar os visitantes, formando um verdadeiro complexo de pequenos santuários, habitações e pousadas para acolher aquela gente toda. Como observara Cícero (De advinationes), não havia povo ou corpo político conhecido que pudesse dispensar os adivinhos, os arúspices ou os magos para levar adiante suas empreitadas.

A questão para a qual se desejava uma orientação era firmada numa tabuinha de argila e, em seguida, levada à uma das sacerdotisas, chamadas de pitonisas (referência à Píton). Entendida a mensagem, ela recolhia-se para o interior do templo e, sentada num trípode (um banco de três pés), começava a aspirar os "vapores divinos" que emanavam das rachaduras abertas no chão (*).

Dava-se, então, o momento do transe, quando a pitonisa, sob efeito do "fumo sagrado", começava a dizer coisas sem nexo, palavras cifradas que aparentemente não tinham nenhum sentido, mas que eram religiosamente anotadas pelos sacerdotes. Esta linguagem críptica, confusa e enigmática, ficou conhecida como "sibilina", talvez por ter sido associada a uma das pitonisas mais famosas chamada Sibila (nome adotado por várias outras sacerdotisas que a seguiram na função de intermediárias entre Febo Apolo e os humanos).

Certa ocasião, como uma delas foi sequestrada e violentada, adotou-se o princípio de somente admitir mulheres maduras, de mais de 50 anos e que não fossem atraentes para não estimular mais tal tipo de brutalidade. Não somente o número de pitonisas aumentou, como igualmente abriram-se locais oraculares em outros sítios escavados nas rochas para poder, ainda que parcialmente, atender a infindável fila de peregrinos.

É bem possível que a mastigação de folhas de louro por parte delas, para obter de imediato o transe necessário, fosse igualmente uma maneira mais rápida delas satisfazerem a clientela que não parava de chegar, vinda dos quatro cantos da Hélade.

(*) O geólogo americano Jelle Zellinga de Boer afirmou que a zona do monte Parnaso assenta-se sob uma fratura geológica subterrânea da qual fluem gases hidrocarburetos e hidrossulfúricos (tais como metano e etano) que seriam os responsáveis pela revelações em transe das pitonisas.

Glória e clausura
 
Estima-se que o oráculo de Delfos tenha começado a funcionar ao fim do segundo milênio antes de Cristo, isto é, entre 1200 e 1100 a.C., tornando-se célebre, entre tantas outras coisas, por ter previsto o fim do reino da Lídia, e eternizando-se na literatura ocidental ao ser citado na peça de Sófocles "Édipo Rei", quando informara ao personagem central de que ele "mataria o pai e se casaria com a própria mãe". Não houve grega ou grego famoso, naqueles quase mil e quinhentos anos de prática da vidência, que não lhe fizesse uma visita, tentando averiguar que futuro os aguardava.

Fazem parte da galeria ilustre uma boa quantidade de generais e conquistadores, inclusive os comandantes romanos que ocuparam a Grécia no século II a.C.. Consta que, depois da quase destruição ocorrida no século VI a.C., quando o templo foi reconstruído com dotações pan-helênicas, coube ao imperador Nero submeter o oráculo de Delfos e suas cercanias a um saque que rendeu mais de 500 estátuas levadas posteriormente para Roma.

O local foi fechado finalmente pelo imperador Teodósio, em 385, por ocasião da sua campanha antipagã, pois o cristianismo encaminhava-se para tornar-se a religião oficial do Império Romano e via aquele espaço oracular como um centro da superstição a ser combatida.

Porém, Delfos já se encontrava em total decadência bem antes de ser definitivamente enclausurado, naufragando com o declínio do paganismo. Quando o iconoclasta imperador Juliano, o Apóstata (331-363), mandou fazer uma consulta ao oráculo, dizem que a resposta enviada a ele pelos sacerdotes que ainda ali restavam foi: "Diga ao rei isso: o templo glorioso caiu em ruínas; Apolo já não tem um teto sobre a sua cabeça; as folhas dos lauréis estão silenciosas, as fontes e arroios proféticos estão mortos".

Voltaire recomenda:
 
Michael Wood - The road to Delphi: the life and afterlife of oracle (Farrar Straus & Giroux, 2003, 271 páginas)

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