Na representação, um pai e seus dois filhos consultam o oráculo por volta de 600 a.C.
Foto: Getty Images
Durante mais de 15 séculos, do nascimento ao fim da cultura grega
antiga, o Oráculo de Delfos, ou templo de Apolo, serviu como local em
que peregrinos vindos das mais diversas latitudes do mundo helênico
consultavam as pitonisas, as sacerdotisas oraculares, para saber qual
seu destino, da sua família ou da sua pátria. Delfos tornou-se um dos
lugares sagrados mais venerados pelos gregos, sendo que suas previsões e
predições tiveram enorme repercussão nos destinos de reis, de tiranos e
de muita outra gente famosa daqueles tempos.
A lenda do Oráculo de Delfos
Querendo medir com exatidão o centro do mundo, Zeus fez com que duas
águias fossem soltas de lugares opostos da Terra. Quando o voo das duas
se cruzou, ali, bem embaixo, o todo-poderoso determinou ser o local do
onfalos, o umbigo do mundo - uma pedra situada nas cercanias do monte
Parnaso. Anunciou a todos, então, que dali ele entraria em contato com
quem desejasse fazer-lhe consultas ou pedir-lhe orientações.
Porém, a região era dominada pela monstruosa Píton, uma cobra
gigantesca que espantava qualquer possibilidade de aproximação. Coube a
Apolo oferecer-se para enfrentar a serpente, representante das forças
primitivas e irracionais, derrotando-a num formidável combate. O deus
vitorioso sepultou os restos do ofídio monstruoso exatamente embaixo do
solo em que se ergueu o templo de Delfos, no golfo de Corinto, local em
que as mensagens de Zeus, por intermédio de Apolo, chegariam aos
interessados.
O templo das previsões
Os peregrinos podiam desembarcar no pequeno porto de Kirrha, ou
ainda chegar por terra, seguindo uma via sacra que os conduzia para o
alto, até as portas do templo de Apolo. No caminho, eles deviam fazer
suas libações na fonte sagrada de Castalla, cujas águas serviam para
purificá-los antes que a entrevista fosse realizada. Encravada na rocha
havia a seguinte frase: "Ao bom peregrino basta-lhe uma gota, ao mau,
nem um oceano poderia lavar a sua mancha".
Era preciso também realizar sacrifícios aos deuses, imolando um
cordeiro ou esganando uma ave antes de lançá-los às brasas. Como a
procura pelas previsões era muita, marcar uma audiência demorava um bom
tempo, obrigando que, com o passar dos anos, outras instalações fossem
construídas para abrigar os visitantes, formando um verdadeiro complexo
de pequenos santuários, habitações e pousadas para acolher aquela gente
toda. Como observara Cícero (De advinationes), não havia povo ou corpo
político conhecido que pudesse dispensar os adivinhos, os arúspices ou
os magos para levar adiante suas empreitadas.
A questão para a qual se desejava uma orientação era firmada numa
tabuinha de argila e, em seguida, levada à uma das sacerdotisas,
chamadas de pitonisas (referência à Píton). Entendida a mensagem, ela
recolhia-se para o interior do templo e, sentada num trípode (um banco
de três pés), começava a aspirar os "vapores divinos" que emanavam das
rachaduras abertas no chão (*).
Dava-se, então, o momento do transe, quando a pitonisa, sob efeito do
"fumo sagrado", começava a dizer coisas sem nexo, palavras cifradas que
aparentemente não tinham nenhum sentido, mas que eram religiosamente
anotadas pelos sacerdotes. Esta linguagem críptica, confusa e
enigmática, ficou conhecida como "sibilina", talvez por ter sido
associada a uma das pitonisas mais famosas chamada Sibila (nome adotado
por várias outras sacerdotisas que a seguiram na função de
intermediárias entre Febo Apolo e os humanos).
Certa ocasião, como uma delas foi sequestrada e violentada, adotou-se
o princípio de somente admitir mulheres maduras, de mais de 50 anos e
que não fossem atraentes para não estimular mais tal tipo de
brutalidade. Não somente o número de pitonisas aumentou, como igualmente
abriram-se locais oraculares em outros sítios escavados nas rochas para
poder, ainda que parcialmente, atender a infindável fila de peregrinos.
É bem possível que a mastigação de folhas de louro por parte delas,
para obter de imediato o transe necessário, fosse igualmente uma maneira
mais rápida delas satisfazerem a clientela que não parava de chegar,
vinda dos quatro cantos da Hélade.
(*) O geólogo americano Jelle Zellinga de Boer afirmou que a zona
do monte Parnaso assenta-se sob uma fratura geológica subterrânea da
qual fluem gases hidrocarburetos e hidrossulfúricos (tais como metano e
etano) que seriam os responsáveis pela revelações em transe das
pitonisas.
Glória e clausura
Estima-se que o oráculo de Delfos tenha começado a funcionar ao fim
do segundo milênio antes de Cristo, isto é, entre 1200 e 1100 a.C.,
tornando-se célebre, entre tantas outras coisas, por ter previsto o fim
do reino da Lídia, e eternizando-se na literatura ocidental ao ser
citado na peça de Sófocles "Édipo Rei", quando informara ao personagem
central de que ele "mataria o pai e se casaria com a própria mãe". Não
houve grega ou grego famoso, naqueles quase mil e quinhentos anos de
prática da vidência, que não lhe fizesse uma visita, tentando averiguar
que futuro os aguardava.
Fazem parte da galeria ilustre uma boa quantidade de generais e
conquistadores, inclusive os comandantes romanos que ocuparam a Grécia
no século II a.C.. Consta que, depois da quase destruição ocorrida no
século VI a.C., quando o templo foi reconstruído com dotações
pan-helênicas, coube ao imperador Nero submeter o oráculo de Delfos e
suas cercanias a um saque que rendeu mais de 500 estátuas levadas
posteriormente para Roma.
O local foi fechado finalmente pelo imperador Teodósio, em 385, por
ocasião da sua campanha antipagã, pois o cristianismo encaminhava-se
para tornar-se a religião oficial do Império Romano e via aquele espaço
oracular como um centro da superstição a ser combatida.
Porém, Delfos já se encontrava em total decadência bem antes de ser
definitivamente enclausurado, naufragando com o declínio do paganismo.
Quando o iconoclasta imperador Juliano, o Apóstata (331-363), mandou
fazer uma consulta ao oráculo, dizem que a resposta enviada a ele pelos
sacerdotes que ainda ali restavam foi: "Diga ao rei isso: o templo
glorioso caiu em ruínas; Apolo já não tem um teto sobre a sua cabeça; as
folhas dos lauréis estão silenciosas, as fontes e arroios proféticos
estão mortos".
Voltaire recomenda:
Michael Wood - The road to Delphi: the life and afterlife of oracle (Farrar Straus & Giroux, 2003, 271 páginas)
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