Problema parece estar na moda porque hoje é mais debatido. Mas não há motivo para torná-lo a causa de todos os males
Em vídeo, Wellington justificou os assassinatos na escola de Realengo com o bullying sofrido na escola
Para o psiquiatra e psicoterapeuta Içami Tiba, autor de “Adolescentes: Quem Ama Educa” (Integrare Editora), se não existe sofrimento, não é bullying. O especialista concorda que o problema tomou proporções exageradas: “Antigamente não era bullying colocar um apelido numa pessoa por causa de uma característica física”. Embora Tiba afirme que o problema atingiu uma intensidade maior, o exagero do diagnóstico costuma ocorrer por constatação dos pais. “Mas é preciso delimitar o bullying muito claramente, para não perdermos a cabeça”, diz.
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Foto: Reprodução
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Assim como ficou mais fácil, também, usar o bullying como justificativa. É o caso da tragédia em Realengo. O atirador Wellington Menezes de Oliveira afirmou, em vídeos divulgados pela polícia, que planejava se vingar das pessoas que o desrespeitavam, referindo-se às escolas como o principal local deste tipo de acontecimento. “Sofrer bullying foi um fator de estresse importante neste caso”, observa Gustavo Teixeira. “Mas não justifica a atrocidade”.
Frequência, intensidade e sofrimento
De acordo com o terapeuta e psicólogo familiar João David Cavallazzi Mendonça, a intensidade da violência é o fator mais importante a ser levado em conta para diagnosticar o bullying. “Não existe uma regra: uma criança pode se incomodar muito por ser chamada de ‘quatro olhos’, enquanto outra pode nem ligar”, diz. Mas subestimar o problema e dizer ao filho para não dar importância àquilo não é a melhor saída: algumas crianças podem fingir que não se incomodam, mas guardam o problema e desenvolvem traumas sérios.
E como diferenciar o bullying de uma brincadeira natural? Uma gozação entre iguais, em que um zomba do outro, é bem diferente de uma ofensa. Para Maria Irene, o bullying ultrapassa esse estágio e leva ao ponto em que as crianças não são mais amigas. “A vítima não se sente em condições de revidar”, diz. Mudanças de comportamento ou alteração no rendimento escolar são pistas comuns de que algo mais grave pode estar acontecendo.
As habilidades sociais da criança e sua capacidade de se cuidar sozinha também contam muito. “Hoje existe uma superproteção sem limites por parte dos pais, e as crianças ficam sempre precisando de alguém que tome conta delas”, completa a psicopedagoga.
Os pais devem oferecer suporte e oportunidades para os filhos se desenvolverem, tornando-se cada vez mais independentes. Mas precisam estar atentos para sair em defesa da criança caso ela esteja passando por algum tipo de sofrimento capaz de afetar sua dignidade e integridade.
Simplificação e exagero
Os pais devem ter um olhar mais cuidadoso sobre seus filhos e, principalmente, contínuo. “Senão, qualquer pisada que a criança leva no pé sem querer vira bullying. É preciso colocar as coisas nas devidas proporções”, diz Maria Irene. Para Gustavo, o que define o bullying é a ocorrência sistemática de violência, não acidentes ou inocentes manifestações de identificação das diferenças entre as crianças.
A popularização e o debate sobre o bullying, ainda que compreendido de forma simplificada, podem levar a um melhor entendimento do problema: “O fato de estar ‘na moda’ contribui para crianças, adolescentes, pais e educadores passarem a estranhar esse tipo de atitude, e não naturalizá-la”, acredita João David. Por outro lado, tomar atitudes a respeito sem a reflexão necessária pode levar a um desgaste do conceito. “Se exagerarem muito por muito tempo, vai acabar virando um 'feijão com arroz'”, diz Maria Irene. E virar a página do problema achando que é só uma bobagem é, de longe, a pior solução.
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