sexta-feira, 29 de abril de 2011
Lições de História
Fonte: Café Historia
Livro reúne textos inéditos de historiadores do século XIX e traz contribuição significativa para o campo da teoria da história
Do alvoroço desencadeado pelo atrevimento de Napoleão até a invenção do telégrafo sem fio, o século XIX foi marcado, por assim dizer, por um turbilhão de acontecimentos marcantes que mexeram não apenas com a vida do cidadão comum, que de uma hora para a outra se viu perdido nas malhas impositivas do tempo histórico, mas também com a rotina, com os hábitos, com o poder e com a estabilidade dos governantes do mundo, que foram obrigados a reagir, não raro com violento rigor, contra o empoderamento do indivíduo médio e das novas forças sociais coletivas. Nada mais lógico, portanto, que a história tenha esperado por este século (o seu século, como se diz) para se constituir como uma especialidade disciplinar. Foram esses acontecimentos impactes que convocaram nomes como Jules Michelet ou de Leopold von Ranke para dotar o tempo de um sentido lógico, de organizar as experiências limítrofes da realidade dentro de um quadro lúcido e recheado de razão. Hoje, mais de duzentos anos após o início daquele longo século, podemos desfrutar pela primeira vez das impressões de muitos dos intérpretes daquele tempo, dos pais fundadores da nossa história, da história moderna. E o principal “culpado” por esta tarefa hercúlea é o historiador e professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Jurandir Malerba, que acaba de lançar o livro “Lições de História: O Caminho da Ciência no Longo Século XIX.”
O livro, publicado pela Editora FGV e pela EdiPUCRS, reúne textos inéditos em língua portuguesa de grande historiadores do século XIX, acompanhados de introduções elaboradas por historiadores brasileiros. Ao lado de Malerba nessa verdadeira obra coletiva, estão nomes como François Dosse (o único estrangeiro no grupo), Lilia Moritz Schwarcz, Leandro Konder, José Carlos Reis, Julio Bentivoglio e muitos outros importantes pensadores que enriquecem ainda mais o olhar do leitor para obras já tão preciosas e que falam por si mesmas. Foram traduzidos textos de Jules Michelet, Karl Marx, Ernest Lavisse, Louis Bourdeau, dentre outros. São textos deliciosos, inspiradores para historiadores já calejados ou para os calouros na matéria.
Em uma conversa com o Café História, Jurandir Malerba, que é membro de nossa rede, explicou quando perguntado se o trabalho era fruto de um esforço coletivo:
- Sim, é fruto de um trabalho coletivo, mas surgiu da minha percepção, originada em mais de 15 anos de prática docente na área de teoria, da praticamente ausência de traduções desses clássicos em língua portuguesa. Há cerca de dez anos eu vinha desenhando esse projeto, selecionando material. Quando este primeiro volume estava desenhado, em 2006, fiz um "boneco" de como eu idealizava cada capítulo com o Carlyle. Fiz a tradução comentada e o texto introdutório dele e fui enviando a alguns colegas, convidando-os a participar do projeto. O texto, com exceção do capítulo de Dosse, completo estava pronto no final de 2008.
Dentre as preciosidades de “Lições de História”, destaca-se textos como o de Pierre Daunou, que faz uma irretocável abertura do curso de história do Collège de France em 13 de abril de 1819. Neste discurso, Daunou explicita os meandros da ciência histórica. Revela sem dó nem piedade as fragilidades deste conhecimento, porém, um conhecimento extremamente perspicaz e que justamente por ter uma morfologia problemática e desafiadora conseguiu aos poucos competir com o status até então inigualável das ciências físicas e naturais. Impossível seria não se entregar ao estudo apaixonado da história após uma aula inaugural dessas. Encanto igual são os textos de nomes como Michelet ou Chateaubriand, apenas para citar alguns. É preciso ler para crer.
Mas porque textos de tamanha importância para o estudo historiográfico não contavam ainda com uma tradução para a língua portuguesa? O Café História perguntou a Malerba. O historiador da PUCRS respondeu:
- Tirando o texto de Michelet, que havia sido publicado em português pela Companhia das Letras em 1989 (bicentenário de Revolução Francesa) e há muito esgotado, todos os outros são inéditos - e te diria que todos eles importantíssimos. A explicação de faltarem em português talvez resida na desimportância que a área de teoria teve para os historiadores ao longo das décadas. Temos alguns importantes manuais de metodologia, mas pouco interessou aos nossos historiadores a reflexão teórica forte - quadro que começa a mudar nos últimos anos. Nossos estudantes vinham se formando ouvindo falar de Ranke, Gervinus, Acton, Macaulay, Fustel, Langlois, Seignobos a partir de manuais, leitura de segunda mão, sem ler os originais. Isso é fundamental. Nesse sentido, acabamos de criar uma coleção na EdiPUCRS, a Monumenta, no mesmo espírito do Lições de História (traduções comentadas e introduzidas por grandes especialistas brasileiros) onde publicaremos grandes obras da historiografia moderna. A Monumenta abre com as Considerações sobre as causas das grandezas dos romanos e sua decadência, de Montesquieu (edição crítica de Renato Moscateli), lançado agora na Feira do Livro de Porto Alegre. Já em preparação o Ensaio sobre os costumes, de Voltaire, e a História das mulheres na revolução, de Michelet.
“Lições de História” já pode ser encontrado nas livrarias e ele é de fácil identificação. Pois o livro é uma edição impecável não só no conteúdo como também parte gráfica. São 489 páginas encadernadas em capa dura, simulando um antigo livro, clássico, inconfundível em qualquer prateleira. Prepare o café e folheie estas páginas não mais esquecidas do século XIX. A viagem vale a pena.
Por Bruno Leal
Informações técnicas
Lançado em outubro de 2010 | 489 páginas | Editora FGV e EdiPUCRS
Outros lançamentos que também indicamos
Descobrimentos de Capistrano: A História do Brasil “a grandes traços e largas malhas”, de Daniel Mesquita.
O livro, publicado pela editora Apicuri e pela Editora PUC-RJ, traz uma análise detalhada da produção historiográfica do consagrado historiador cearense João Capistrano de Abreu (1853-1927). Um livro que pode ser visto como uma referência tanto para a descoberta de textos de Capistrano como também para o historiador que está em busca da compreensão do próprio ofício de historiador.
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