DOS PRECONCEITOS
Jean-Paul Sartre
Sartre tornou-se um dos maiores críticos do imperialismo francês, principalmente com relação à Argélia. Seus artigos e livros
denunciando as atrocidades e, mais do que isso, procurando interpretar
o domínio francês, valeram-lhe acerbas críticas. Mas, felizmente, sua voz foi ouvida por muitos. No trecho
abaixo, extraído do prefácio que Sartre escreveu para um livro de
fotografias de Henri Cartier-Bresson, sobre a China, podemos verificar a
questão do preconceito contra os povos
colonizados. O texto fala por si.
Na origem do pitoresco há a guerra e a repulsa em compreender o inimigo: na
verdade, nossas luzes sobre a Ásia vieram inicialmente de missionários
irritados e de soldados. Mais tarde chegaram os
viajantes — comerciantes e turistas — que são militares frios: o saque
se denomina "shopping" e as violações são praticadas honrosamente
nas casas especializadas. Mas a atitude inicial não mudou: mata-se menos
frequentemente os indígenas, mas nos desprezam aos montões, o que é a forma
civilizada de massacre; experimenta-se o aristocrático prazer de contar as separações.
"Corto meus cabelos, ele trança os dele; sirvo-me de um garfo, ele usa
palitos; escrevo com uma pena de ganso, ele traça sinais com um pincel; tenho
ideias direitas, e as suas são curvas: você observou que ele tem horror ao
movimento retilfneo, ele só é feliz se tudo vai obliquamente." Isso se
chama o jogo das anomalias: se você encontra uma a mais, se você descobre uma
nova razão para não compreender, dar-lhe-ão, no seu país, um prémio de
sensibilidade. Aqueles que recompõem, deste modo, seu semelhante como um
mosaico de diferenças irredutíveis, não precisa admirar-se, se eles se
interrogam, em seguida, como se pode ser
chinês.
Criança, eu era vítima do
pitoresco: tinha tudo feito para tornar os
chineses apavorantes. Falavam-me de ovos podres — eles os adoravam —, de homens cerrados entre duas pranchas,
de música delicada e dissonante. No mundo que me envolvia havia coisas
e animais que chamavam, dentre todos, chineses: eles eram frágeis e terríveis,
fiavam entre os dedos, atacavam por trás, explodiam-se repentinamente em
alaridos ridículos, sombras que deslizavam como peixes ao longo de um vidro de
aquário, lanternas apagadas, requintes inacreditáveis e fúteis, suplicas
engenhosas, chapéus sonantes. Havia a alma
chinesa, também, da qual me diziam simplesmente que é impenetrável.
"Os orientais, veja-você...". Os negros não me inquietavam;
ensinaram-me que eram bons cães; com eles, permanecia-se entre mamíferos. Mas o
asiático causava-me medo: como estes caranguejos de arrozais que correm entre
dois sulcos, como gafanhotos que se precipitam sobre a grande planície e
devastam tudo. Somos reis dos peixes, dos leões, dos ratos e dos macacos; o
chinês é um artrópode superior, ele reina sobre os artrópodes.
Sartre, Jean-Paul. De uma China a Outra. In:
Colonialismo e Neo-colonialismo. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1968, p.
7-8.
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